Nas últimas duas semanas, os brasileiros observaram o que parecia uma réplica infeliz da mesma notícia. Ataques criminosos em escolas e creches passaram a ser exibidos pelos veículos de imprensa do país. A sensação de alarde, porém, não é por acaso. Desde 2002, foram registrados 25 atentados cometidos em instituições de ensino. Desse total, 72% aconteceram de 2017 a 2023.
Os dados somam informações coletadas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e números mapeados pelo Metrópoles.
Ao todo, são 18 casos registrados em pouco mais de seis anos, em estados como Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. O último episódio ocorreu em Blumenau, no Vale do Itajaí (SC), nessa quarta-feira (5/4), quando um homem de 25 anos invadiu a creche Cantinho do Bom Pastor e matou quatro crianças com um machadinho.
Imersão perigosa
Diante da escalada de violência observada, a reportagem conversou com especialistas em educação, psicologia e segurança pública para entender os principais motivadores por trás da onda crescente.
Cléo Garcia, pesquisadora responsável pelo levantamento da Unicamp, aponta que, mais do que o bullying e os conflitos domésticos, a imersão de adolescentes e jovens na internet contribui para o aumento dos números.
“Nós não dizemos que os jogos virtuais, por mais violentos que sejam, levam a esse tipo de ataque. Na verdade, é o acolhimento que o adolescente não teve aqui fora, seja na vida pessoal, escolar ou familiar, e que ele encontra em comunidades que chamamos de ‘comunidades mórbidas’”, explica Garcia.
Isolamento
Segundo a pesquisadora, ao se isolar em grupos virtuais, boa parte dessas pessoas é cooptada por um discurso de ódio que ronda os chats das partidas online. Se antes era necessário compartilhar conteúdos do tipo em uma camada oculta da internet, a deep web, hoje os debates ocorrem dentro dos bate-papos dos jogadores.
“Hoje nós encontramos qualquer tipo de ameaça, disseminação de ódio, incentivo ao crime, ‘como construir uma bomba’, ‘como dar uma facada’, ‘como utilizar uma arma de fogo’, tudo isso em redes sociais como Twitter e TikTok, além do Discord, que é por onde os gamers acabam se conectando e levando as pessoas para essas comunidades de discurso de ódio”, reitera a autora.
Extremismo violento
Dentro desses grupos, a pesquisa menciona, por exemplo, as comunidades de crimes reais (ou true crime community, em inglês), uma subcultura online de extremismo violento, que reúne neofascistas e neonazistas com idades entre 10 e 22 anos.
Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-DF, Ana Izabel Gonçalves de Alencar ressalta que os pais devem ser mais vigilantes em relação aos conteúdos consumidos pelos seus filhos na internet. “As redes sociais abrem portas para o conhecimento de assuntos e notícias que, muitas vezes, crianças e jovens não estão preparados para conhecer, devido à imaturidade.”
Ela também frisa que “a facilidade ao acesso a armas tem agravado a incidência de casos como este”. Entre 2019 e 2022, o governo Bolsonaro (PL) editou mais de 40 decretos para facilitar o acesso da população civil às armas.
Veja:
Armas
O levantamento do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Unicamp mostra que, nos 25 ataques a escolas e creches cometidos no Brasil, 12 dos autores utilizaram armas de fogo. Além disso, por seis vezes os atiradores tinham a arma em casa; em quatro vezes, as armas foram compradas de terceiros e, em duas vezes, a arma tem origem desconhecida.
O psicólogo Mauro Gleisson, pesquisador da interface dos fenômenos de juventude, escola e violência, reforça que a política de armamento que perdurou no Brasil nos últimos anos contribui para que pessoas mentalmente adoecidas tenham acesso a uma arma de fogo.
“A arma serve como uma compensação fálica de um sujeito que vive uma angústia muito grande. Ele descobre que ganha um poder que não tinha antes com essa arma de fogo”, explica.
Ainda segundo Gleisson, um caminho para ajudar a diminuir casos de atentados é o Estado criar condições para que todos cidadãos tenham acesso a atendimentos com psicólogos.
“O sujeito, quando está mentalmente adoecido, precisa ter acesso a uma consulta com psicólogo, psiquiatra, e isso não acontece hoje no Brasil. A maior parte das pessoas não tem acesso a esse tipo de atendimento no serviço público. Assim, a escola fica sozinha nessa luta, no fim.”