O Anuário da Segurança Pública 2022 mostra que o Pará registrou 131 feminicídios e 189 tentativas de feminicídio em dois anos, entre 2020 e 2021. O documento, que faz um panorama da segurança pública no país, afirma que as principais vítimas desse tipo de crime são mulheres negras (62%), mas também sugere que há uma subclassificação de mortes de mulheres negras como sendo feminicídio. Por outro lado, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) registrou, no Pará, que entre os anos de 2019 e 2022, mais mulheres brancas foram vítimas de crimes: 47 contra 31 mulheres negras.
Apesar da prevalência de mulheres negras em casos de feminicídio, a discrepância racial é menor nesse tipo de crime do que nas demais mortes violentas intencionais, nas quais os dados apontam que 70,7% das vítimas são mulheres negras e apenas 28,6% são brancas. “Levanta-se a hipótese de que as autoridades policiais enquadram menos os homicídios de mulheres negras enquanto feminicídio”, conclui o estudo.
A educadora social e ativista do Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), Fátima Matos, avalia que outros fatores, de ordem social e na esteira do racismo estrutural, são sintomáticos para a dificuldade de notificação de violências relacionadas às mulheres negras. Ela menciona pelo menos dois: a falha na identificação de raça e cor pelo serviço público (de modo geral e, em especial o de segurança), e a pouca inclinação que muitas vítimas ainda têm para se identificarem como negras.
Fátima comenta que a população negra de modo geral, mas especialmente as mulheres, foi educada para não se mostrar, para tentar suprimir os traços de negritude e, com isso, ainda há muita negação da raça e que essa mentalidade está presente tanto nas vítimas de violência quanto nos agentes do serviço público que fazem os registros.
“Eu sou defensora de uma mudança no olhar social dos homens sobre as mulheres e das mulheres sobre si mesmas, bem como do restante da sociedade sobre as pessoas negras. O homem tem um olhar social sobre a mulher que é de dominação, de poder, de competição. A mulher tem um olhar social sobre si mesma de alguém que tem que dar amor, que tem que cuidar, sempre voltado para o outro e, às vezes, no caso das mulheres negras, como se o ser negra fosse uma condição sub-humana de viver. O olhar social do servidor público também não está educado para receber essa mulher negra. Isso tudo precisa mudar”, afirma.
Justiça tem dificuldade para enquadrar feminicídio
Ainda segundo os dados Anuário da Segurança Pública, o número de homicídios com vítimas mulheres (364 casos entre 2020 e 2021) foi maior do que o número de feminicídios (131 registros no mesmo período), o que pode parecer contraditório, porém, a advogada Luanna Tomaz, experiente em Direitos Humanos,Violências e Direitos das Mulheres, explica que existe uma dificuldade de a Justiça enquadrar alguns casos de feminicídio por uma questão conceitual.
Dados do Anuário sobre morte de mulheres
– No Pará
Homicídios contra mulheres
Em 2020: 181
Em 2021: 183
Feminicídios
Em 2020: 67
Em 2021: 64
– No Brasil
Homicídios contra mulheres
Em 2020: 3.999
Em 2021: 3.878
Feminicídios
Em 2020: 1.354
Em 2021: 1.341
Perfil de feminicídio no Brasil
68,7% vítimas entre 18 e 44 anos
65,6% morreram dentro de casa
62% negras
Fonte: Oliberal